uns pitacos caóticos sobre os incéis e os mgtows, e mais um monte de coisa, etc
baseados numa suposição que me veio num insight dentro do meu cérebro (fonte: serifada e tudo minúsculo)
é muito fácil conseguir arrebanhar incéis e mgtows, basta meia colher de validação e duas pitadas de “elas são ruins”.
é mais fácil ainda empurrá-los numa ideia de movimento, mesmo que eles não tenham nenhuma direção ou senso de grupo. mesmo que a liderança deles seja qualquer homem minimamente adulto que pilote uma bugatti e saia com loiras magras recém emancipadas.
mesmo que este ou aquele líder seja apenas um vendedor.
e é fácil arranjar motivos para um homem em idade madura (ou quase) se torne um mini-jihadista de computador em tempos de only fans e tigrinhos. é mais fácil ainda justificar os motivos: ressentimento, raiva, desigualdade de gênero velada.
é ainda mais fácil explicar a sociedade que vivemos em torno de outros movimentos identitários (esses sim) devidamente autorizados, porque juridicamente existentes, e juridicamente endossados, já que academicamente validados.
tudo se torna tão fácil que até conhecimentos ditos pseudocientíficos ganham rosto nesse delineamento: a fisiognomia, já extensivamente refutada, se torna extra-oficialmente anexada aos autos.
NARRADOR: As ideias se propagam de várias formas, mas parece haver uma lei que dita que elas surjam de cima para baixo, e se propaguem horizontalmente, por tensão entre opostos, polarizados.
acompanhei algumas conversas online desses públicos, e elas são, pra dizer o mínimo, divertidas. se parecem com pacotes de dados em um vírus desses trojans horses: o cara dizia que é muito difícil ser homem hoje em dia, porque as mulheres dirão que são melhores lute como uma garota vencemos mais estamos mais na universidade e nos trabalhos de bom salário, mas também dirão que querem ser iguais e temos todos os direitos e tudo que elas fazem a gente precisa fazer, e quando tudo dá errado guerras morte caos pânico nós somos os demonhos, fora que a gente não ajuda a lavar o banheiro e quando faz, faz tudo errado.
e eu ri muito. é muito fácil comprar essa ideia, e basta uma partezinha dela se instalar nas nossas cabeças e estamos acabados. estamos? porque nada é pior que uma ideia se ela é a única coisa que a gente tem, e parece que esse pessoal só tem essa.
quer dizer, eu nunca vi na mesma pessoa essas três mulheres diferentes que o andrew tate andou comentando. devem ter bricolado de algum lugar.
NARRADOR: E então, por acaso, ele percebeu que talvez o problema seja justamente essa noção, a de que ninguém ensinou pra esse povo que é possível ter novas experiências. Que todos estão derivando as próprias vidas de um apanhado de experiências sintetizadas em um recorte hipotético de alguma coisa aí.
quer dizer, as meninas me confirmem, mas alguns dias vocês acordam e olham no espelho e parece que se deparam com isso, não sei nunca vi:
e tudo que vocês querem é se sentir bonitas, bem e felizes, e tudo parece horrível, e então algumas de vocês, imagino, também queiram se sentir amadas e respeitadas de alguma forma. antigamente aprendíamos isso na família com pai ou mãe, acho que mais pai que mãe, e agora a internet ensina também, parabéns aos envolvidos. pô, legal poder comprar as próprias coisas e ter rios de aprovação. mas deve cansar também, e chega uma hora que satura, não é? ter que passar por esses períodos alguns dias e ouvir os meninos ainda reclamarem de vocês, todos chorões, um saco, não é?
parece que a conta — entre o que falam de vocês, o que vocês são, e como as coisas funcionam entre o que um diz do outro ou o que o outro diz do um — nunca fecha.
NARRADOR: hm.
do outro lado a gente quando é novo é um bando de doidinho que só quer ver as menininhas porque elas se parecem com uns anjos e a gente sonha como elas, e pensa nelas e tem até um filme disso com o macaulay culkin, aquele da abelha. ai a internet lá pelos anos 2000 apresentou um monte de coisas que não era pra gente ter visto antes da hora. pareceu legal mas foi bem ruim.
dez ou quinze anos depois, a gente criado solto, e os meninos viciados em ver meninas peladas, e as meninas ficando peladas pra se sentirem alguma coisa que eu nem sei bem se elas sabem, porque acho que a gente também não sabe, mas deve ter alguém sabido por aí dizendo as coisas óbvias que sabe em algum podcast (sr. autoridade em cérebro, 2025, harvard), mas agora com mais autoridade porque outros disseram, não porque alguém viu, porque quem viu talvez não saiba direito. a gente confia demais nos outros. nossa que rolo.
mas enfim, todo mundo se odeia de alguma forma, e os melhores teóricos da conspiração entre nós dizem que os rockfeller, a maçonaria, a nova ordem mundial e o moços da lista do epstein que deixou de existir oficialmente anteontem, querem destruir as famílias.
é muita coisa pra minha cabeça. salve maria.
o ponto é que as coisas se encaixam demais: para cada sádico há um masoquista que o reforce. geração criada em traumas, né? mas qual não foi?
NARRADOR: Quando uma criança é exposta cronicamente às famílias muito disfuncionais, ou situações muito adversas, elas (costumávamos chamar isso de trauma, mas a palavra já se massificou tanto que o significado se vulgarizou) perdem a capacidade de se desenvolver, e ficam presas num loop de defesa. Elas, literalmente, perdem (ou não desenvolvem, melhor dizendo) a capacidade de visualizar e planejar o futuro.
a internet, junto de outros meios, permitiu que esse tantão de gente se relacionasse sem filtro e visse coisas sem filtro. isso afetou os meninos e as meninas. mas nós estamos falando de meninos hoje.
então esse tantão de meninos perdeu a capacidade de planejar uma vida e um futuro, porque foram extensivamente expostos ao mundo, por lentes virtuais, ao ponto de um cinismo: e criaram tantas ideias, que bastou uma narrativa para que eles abandonassem o risco de viver uma vida, ignorando os próprios confortos, talvez. disseram, “o mundo é ruim, e eu sou infeliz”, mas há muito medo do que não é familiar, e aqui, nesse ódio e tristeza, tudo é estranhamente familiar, até as palavras são sempre as mesmas.
daí que, diante dessa situação, também deram as palavras ódio e ressentimento, e são acusados disso, mas eu acho que, de algum modo, a relação entre esses meninos e essas meninas não é de rivalidade. eu acho que os meninos nutrem uma identificação com elas, e essa identificação, sim, é a fonte de uma rivalidade, mas não da rivalidade de quem se odeia. eu acho que é a da inveja. eles se odeiam porque não podem ser elas, não podem ter aquilo que eles foram levados a ver nelas. e detestariam ser aquilo que foram levados a ver nelas.
e isso deixa um monte de implicações estranhas no ar.
NARRADOR: Aparentemente, ele gosta muito dos leitores, porque respeita a inteligência deles e vê a escrita como uma arte — da mesma forma que, talvez, o Hideo Kojima faça com seus games —uma série de inputs e uma narrativa subjacente, que ele planta como uma semente, esperando que as conexões sejam feitas em algum momento, no devido tempo. É tudo muito esquisito. Mas parece melhor que erística e argumentação. Crer nas pessoas é crer que elas consigam se conduzir sozinhas depois de um empurrãozinho. É desejar e esperar que elas façam, e torcer por isso.
É assim que se faz metacomentário?
então eu sei lá o que dizer para esse povo. mas eu diria isso: vocês odeiam mulheres porque no fundo querem o que elas têm, e amam mulheres porque no fundo amam se ver no que poderiam dar para elas.
vocês fazem guerras internas e sonham sonhos de fantasia, e isso é uma boa capacidade de vocês, porque shakespeare tinha isso, e os santos também, e muitos construtores, médicos e advogados, filósofos e guerreiros.
mas vocês usam isso da pior forma, usam para dar forma a vocês mesmos. porra que legal elas podem fazer bebês, e talvez algumas não queiram, e isso é problema delas por enquanto, mas vocês podem fazer casas, e eu acho que vocês estão infelizes porque não conseguem mais crer que podem fazer casas.
vocês deveriam usar isso para dar forma ao mundo e, talvez, amor para quem vocês tanto odeiam, uma trégua, para descobrirem, no final, que só queriam uma trégua e um pouco de colo.
então vamos combinar assim, vocês vão dar uma trégua pro ódio e pras justificativas estranhas, e vão entender que essa raiva e ódio não é de vocês, não é contra vocês, não é contra nada. é só um dia ruim, e pra sair dele vocês podem cuidar de vocês mesmos, porque são adultos, e então, só então, procurar um relacionamento, se é isso que vocês querem. não é difícil. podem construir coisas.
eu acho que vocês tem medo de vazio só, e essa raiva e ódio juntam todos os seus pedaços num único ponto conhecido e comum, que pode ser ruim, mas é um lugar, e é melhor que nada.
então, legal que vocês cuidem de vocês, e legal que percebam que isso não vale de nada sem ter ninguém pra dividir essas conquistas, mas olha só, vocês só poderão dividir essas coisas com quem precisa.
talvez vocês se ressintam disso também, né? quer dizer, olha o tanto de lugar que as meninas conheceram, bicho, e você vai dar o que pra elas, se você sente no fundo que não sabe dar ou receber amor, fica fácil se afogar em trabalho ou similar. levaram vocês a crer que todas elas tem um link no perfil e várias rolas na quilometragem. ganham muito mesmo, o que você vai dar pra elas se o que elas querem você não sabe dar porque não aprendeu a receber, e o que elas podem ter você tem sempre de menos?
puta que pariu, que coisa doida. ceis deprimem fácil nisso.
porra, eu acho que tem uma coisa, viu? sabe, doar algo…
é essa paz de espírito. eu acho que isso é de vocês, acho que vocês podem conseguir isso até fácil. então, assim, combinamos assim: você vai buscar cuidar de você e ganhar paz de espírito pra você, e segurança pra você, e isso vai te custar o risco, vai te custar tudo o que você tem, e então, surpresa, talvez as coisas fiquem melhores.
aí, ó, que legal, talvez você possa contribuir um pouco, um dia, com as pessoas que acordam se sentindo mal. pô, legal. assim você ama elas.
seus avós e bisavós eram bêbados e gostavam de cartas e roleta, e isso era admirável neles, porque eles apostavam. e você, entre você e alguma paz, está uma aposta, e eu estou afirmando que você só precisa apostar em você, consistentemente, você não sabe se vai ganhar, mas o jogo é isso, e você aposta em você consistentemente, e com muita humildade, a gente é pequenininho, e eu acho que é só. aposte em você, tome esse risco, e seja consistente nisso.
não vai ser fácil, nem legal, mas eu quero que você se lembre ao fim de cada porção de aposta em você e de ciclos que você conseguiu, que passou, fique calmo, vai vir mais e você vai passando por isso, tá?
NARRADOR: Ele disse, em resumo, que você precisa fazer algo por você, todos os dias, isso está claro? essa é a forma de sair desse ciclo de ressentimento e justificativa do próprio mal atribuída a outrem. Como uma pessoa pode sentir que vale a pena se não sente que vale a pena? Bom, ela precisa fazer algo por ela mesma, e só precisa de um empurrãozinho.
é isso, eu acho. fez sentido? escuta, me diz aí, o que você ouviu do que eu disse?
entendeu? eu quero saber o que você ouviu do que eu disse…
fim.
O texto simplesmente é perfeito. Quanto ao ressentimento, qualquer forma de pessimismo dominante, isto é, uma morte antes da morte de fato, é psicológico. Falo isso sem querer cair em qualquer forma de "coachismo", mas não compreendo outro modo de viver a vida de forma saudável e justa sem buscarmos por ela ativamente, apesar dos reveses que ela também nos impõe. No mais, ótimo texto 👏👏👏
Eu adoro a ideia de trégua e paz na guerra dos sexos. Mas, sendo honesto, isto ignora o fato de que não há paz quando todo o sistema é criado justamente para alimentar o constante estado de vigilância e desconfiança. Na epoca dos nossos pais era muito mais simples arranjar alguem, confiar nesta pessoa e ficar tudo bem; mas tudo, hoje, está aos nossos alcances; tudo, hoje, é uma eterna disputa com o mundo. Você é bonito? Há alguém mais bonito que você; você é rico? Há alguem mais rico que voce. O mundo está ao seu acesso. Eu realmente creio que isto torna relacionamentos monogâmico quase impossíveis. Conheço amigos mais velhos com 10 anos de relacionamento que, de um dia para o outro, sofrem um divórcio por causa do Instagram (que hoje deve ser a maior causa de divorcios rs). Michel Houellebecq sagazmente define isto como a extensao do domínio da Luta -- toda relação é uma constante luta por validação, permanência etc, e o relacionamento do modo moderno virou uma luta para fugir do abandono, de ser sempre melhor, de ter uma ética quase que industrial de ser melhor em tudo. Po, o que eu falo nao é nem novidade, já tem trocentos artigos por aí de como as mulheres tem de se contentar cada vez mais com relacionamentos hipogamicos e está cada vez mais difícil satisfazer alguem. Dizer que tudo é uma questão de "manup" é simplesmente ignorar que problemas sistêmicos nao permitem soluções individuais, apesar de concordar que é melhor pro cara vazar desses movimentos para o bem da conservação da sua propria sanidade (nunca comheci redpill que fosse bom de cabeça); é como dizer que o cara na Venezuela, Haiti ou Coreia do Norte só precisa estudar mais um pouquinho que ele pode ter uma vida confortável. Bem, ele pode se mandar de lá com alguma sorte, como alguem pode arranjar um bom relacionamento contra todas as possibilidades, mas ele nao pode mudar todo o sistema quebrado com qual as regras são feitas.