I.
Em primeiro lugar, é necessário dizer, o poema é um fenômeno multidimensional. Feito de sons, imagens, ideias, ritmos e evocações, que se comporta como literatura — sim! — mas literatura que afeta todos os nossos sentidos, por meio da palavra. É, de certo modo, escultura sem toque, música sem registro tonal, fotografia sem lente, pintura sem pigmento. É um complexo de arte, no fim das contas.
Não nascemos sabendo disso tudo. É preciso estudar sempre, mais e muito, para captarmos todas essas nuances e formas de enxergar o poema. E este estudo começa de forma muito simples: repertório. É preciso tomar o gosto por ler poemas.
Ao mesmo tempo, estamos entre quem quebra um texto sentimental em versos, e quem emprega os versos para fazer reverberar algo mais.
Assim como um cozinheiro não se sustenta sem prática, um músico sem treino, um pintor sem esboços, um poeta precisa escrever. É necessário treinar, treinar e treinar. É necessário escrever versos e mais versos, e dominar todas as formas de nossa tradição.
Só na Poesia as pessoas se dão ao luxo de pensar que qualquer coisa jogada em versos vira poema.
Estudem.
II.
Muitas vezes, o poema acaba sendo um mapa dos efeitos que queremos causar com ele. É fácil dizer que estamos tristes; difícil é demonstrar tristeza e ainda mais desafiador é entristecer o leitor com a tristeza que é revelada.
Ao invés de dizer “que muitas alegrias me inundavam/com raios de celeste sol potente…” não seria mais eficaz provocar essa mesma sensação no leitor?
Sempre permita que o leitor aprecie o poema de maneira pessoal; é complicado cativar alguém apenas repassando dados.
Pensemos assim: quando nos alegramos, é por uma série de acontecimentos externos e internos. As duas coisas se juntam por símbolos. Às vezes a alegria é alcançada, digamos, numa pescaria. Há fora de nós o lago, o barco, o peixe, a vara de pescar. Há dentro de nós o sentimento do momento.
Um bom poema junta as duas coisas citadas numa só. E essa, desenrolada na alma do leitor, produz poesia.
Uma boa forma de melhorar a escrita é escrever, e depois analisar o escrito em busca de algo mais: da certeza que ele, ao invés de dizer, mostre.
E mostre sempre reverberando aquilo que está fora com aquilo que está dentro.
É exatamente isso que Drummond faz com A Máquina do Mundo:
"e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado," (você pode adquirir as obras de Carlos Drummond por aqui: LINK da AMAZON)
É bom reler cada poema, pois frequentemente acharemos momentos em que aquilo que dizemos é, na verdade, aquilo que queremos causar.
III.
Verso livre não significa verso sem cadência.
Toda língua possui ritmo, andamento e contorno melódico. Mesmo o verso mais livre do mundo carrega consigo uma música única, nascida das palavras e das frases.
As palavras precisam ressoar harmoniosamente em nossos ouvidos.
Na urgência de escapar do metro estabelecido, o poeta pode perder a oportunidade de capturar a essência sonora da língua. Pensem bem: em cada sílaba há uma duração, uma intensidade, um movimento tonal e até modos de articulação específicos.
Não aproveitar esses elementos é a mesma coisa que pintar um afresco tendo em mãos apenas um pedaço de carvão.
IV.
Adjetivos não são muletas.
Muitas vezes lemos poemas em que a força dramática é quase que inteiramente forçada por adjetivos. Há um poema famosos que fala sobre o inimaginável incêndio indescritível.
Será que não é possível, por exemplo, construir uma metáfora que transforme o inimaginável em visível (ainda que impossível de ser plenamente capturado), e o indescritível em tangível?
A poesia cria linguagem, e essa linguagem é uma forma de reprodução estética da realidade percebida pelos sentidos.
Um adjetivo mal posicionado ou preguiçoso mata o olhar, e nos desengaja do poema.
Considerem, agora, que muitas vezes nós queremos resumir uma série de olhares para o leitor. Resumimos dando o peso geral da cena ou da ação, do momento ou do sentimento, como se o resumo fosse, sozinho, trazer tudo aquilo que a linguagem completa do poema deveria produzir.
Essa forma de resumo preguiçoso encontra um exemplo muito claro nos advérbios de modo (e nas construções com adjetivos) terminados em palavra + mente
Assim, algum preguiçoso talvez dissesse: “Cleópatra, indiferentemente, observa Marco Antônio, que está deitado demasiadamente fraco”.
Não seria melhor fazer como em Antônio e Cleópatra, de Cecília Meireles, publicado em Espectros, seu primeiro livro?
As escravas etíopes, lentamente, Os longos leques movem. Seminua, Pálida a augusta fronte, que tressua, Cerra os olhos Cleópatra, indiferente. [...] Esplêndido de régia majestade, Deslumbrado, ante o leito, ébrio, se ajoelha Marco Antônio, sem forças, nem vontade. (você pode adquirir as obras de Cecília Meireles por aqui: LINK da AMAZON)
Uma boa forma de reescrever esse tipo de construção é pensar da seguinte maneira: “infelizmente” se constrói com infeliz e mente. Ou seja, “de modo infeliz”. Revertemos o processo: e como o eu-lírico chegou no estado de infelicidade? De qual modo? Eis a oportunidade narrativa ou lírica que o poeta tem nas mãos. Agora é só reescrever.
V.
Metapoesia cansa.
Há muitos poetas que só sabem escrever sobre o próprio poema. Ouvimos que
O POEMA é maravilhoso pois o verso do poema inunda a alma inteira [de poemas] que po e matizam a poética do ser poemante de forma p o e m o s a m e n t e p o é t i c a
cansa, não é mesmo?
Será que não há mais nada que possa ser dito? Precisamos realmente saber que estamos lendo um poema?
Tudo bem, um poema ainda vai, mas… um livro todo!?
Não é melhor se ocupar daquilo que interessa?
Digo… todo o restante?
VI.
Poesia requer contemplação e vivência.
Ninguém nos obriga a escrever (lição valiosa de João Filho).
A maioria das pessoas simplesmente não tem nada a dizer; é necessário viver experiências novas para encontrar palavras novas.
Arqueólogos jamais descobriram uma ânfora adornada com a representação de um homem passando 40 horas em um escritório de contabilidade.
Mas há o amor, a guerra, a melancolia, a perda, o luto, o nascimento de um filho, a morte de nossos pais, Deus que nos ouve em silêncio e acha melhor não responder quando pedimos coisas absurdas; jogos; viagens; trabalhos e dias.
Se você quiser ser poeta, precisará assumir o fardo mais exótico e esquisito de todos: a permissão de viver, experimentar plenamente.
Comece agora.
VII.
Falar mostrando, mostrar reverberando:
É uma forma fantástica para estimular os sentidos do leitor. Para além de um enunciado simples, é preciso recriar uma determinada realidade, só que de maneira estética. Em verso, podemos expressar qualquer coisa: manuais de direito, receitas de bolo, fórmulas químicas.
Contudo, somente um poeta realiza aquilo que Cecília fez: não explicou a resignação, mas inseriu um sonho dentro de um navio, e o afundou.
O poeta, de maneira única, destaca uma série de imagens que moldam nossa alma.
Imersos nessas impressões, somos levados a articular o tecido de nossa própria interioridade afetiva; nos identificamos com essas recriações da realidade, e reverberamos junto delas.
O sentimento é recriado em nós, como se tivesse sido feito sob medida para nossa alma.
Este é o poder da poesia, e é o ofício do poeta.
Você quer ser poeta mesmo?
Deixe-me dizer: você realmente precisará de toda ajuda possível. Por sorte, você não está sozinho.
O feitio artístico, sobretudo o literário, requer um ambiente que seja, ao mesmo tempo, crítico e despretensioso — uma combinação hoje tão rara quanto duas pessoas de espectros políticos diametralmente opostos se entendendo numa conversa amigável. Quando temos um, geralmente perdemos o outro. Por experiência própria: quase nunca há um meio-termo sensato.
Por que isso é um problema?
Ambientes excessivamente críticos formam artistas desesperançosos e neuróticos — muitas vezes incapazes de avaliar com precisão o próprio trabalho.
Ambientes acríticos formam artistas mimados, acostumados a ouvir nada além da gritaria ególatra que em algum momento irrompe em todos nós.
Nenhum desses ambientes é capaz de criar qualquer artista sério. Ponto. Se algum prospera, é mais pela força (ou pela sorte) de saber lidar com as exaustivas séries de tentativa e erro.
Essa é a realidade de quase toda a classe artística brasileira, abandonada aos ventos. Se algum artista prospera, se algum artista ousa romper a barreira da mediocridade — mantendo-se humilde o suficiente para encarar o mínimo de julgamento desfavorável à própria criação —, é mais por uma boa estrutura pessoal, pelos próprios esforços concentrados em sair do nosso ambiente cultural e social, que praticamente conspira contra quem quer que ouse pisar fora da borda.
Desculpem-me, mas alguém precisa dizer isto: a ideia do artista sofredor, destinado a transcender toda a adversidade pelo puro amor à arte, não passa de uma fantasia.
Essa romantização cria uma fonte de sofrimento para o artista, que estará sozinho, sem referências robustas, perdido, sujeito a inevitáveis comparações com todos os outros. E o pior: iludido — seja pela ideia de que o próprio trabalho não tem valor algum, seja pela autoafirmação histérica e ressentida, travestida de expressão artística.
Sanar este problema e desenvolver este ambiente é o trabalho que tomei para mim. Porque não o tive e porque só pude proporcioná-lo — muito tardiamente — a mim e aos meus amigos de ofício mais próximos.
Por isso, criei minha oficina e já ministrei algumas mini-oficinas. A Oficina será reaberta em breve. Ainda não a lancei publicamente porque meu objetivo é oferecer a melhor experiência poética possível. Boas criações exigem tempo, e a pressa nunca é amiga da boa arte.
Sei que muitos de vocês estão ansiosos para aperfeiçoar sua escrita. Por isso, disponibilizei as gravações das mini-oficinas, com cerca de 12 horas de conteúdo. Se o seu desejo é realmente se tornar um poeta, este é, sem dúvida, o melhor investimento que você pode fazer agora.
Acesse aqui as gravações das mini-oficinas
No mais, espero que essas dicas ajudem vocês, poetas. Quero ver todos vocês produzindo em abundancia, e com segurança.
Até lá, leia muito!
Obrigado pela apreciação,
Brian.