Não gosto de conflitos. Penso que ninguém consegue gostar de conflitos, de verdade. Mas algumas pessoas conseguem respeitar o conflito, porque, em primeiro lugar, respeitam as outras pessoas. Percebi isso ao observar que certas pessoas negociavam conflitos como se estivessem vendendo coisas ou contratando colaboradores. A sensação que tive era a de que estavam, antes de mais nada, assegurando os interesses da outra pessoa, além dos dela. É diferente de uma briga. É diferente de uma contenda. É mais próximo de um atestado de importância: “Quero você aqui, mas, para isso funcionar, preciso que você se contente com algo, por ora, enquanto eu me contento com outra coisa, por ora”. Grandes negociadores fazem conflitos parecerem uma conversa entre amigos. Algumas pessoas fazem uma conversa entre amigos parecer uma guerra. Medo, é tudo medo. Medo de sermos machucados, medo de sermos desrespeitados, medo de que algo muito íntimo desapareça, seja aviltado: valores. São os valores que nos fazem fincar o pé no chão diante deste ou daquele conflito.
A primeira sensação que parece surgir diante dos conflitos é a raiva. A raiva é um sintoma de impotência. A raiva também é um sintoma de ignorância. Acima de tudo, a raiva é um sentimento centralizador. Ela surge no momento exato em que nos sentimos dissolvendo — contra o ambiente, contra nossos interlocutores — e acaba por fazer o que a febre faz: queimar a casa para que ninguém, além de nós, possa habitá-la.
"Homens com raiva ferem aqueles que mais lhes desejam o bem."
― William Shakespeare, Othelo
A raiva, muito mais do que outros sentimentos, nos inflama. Falo literalmente de inflamação: uma reação sistêmica e unificada que forma “continentes” de uma mesma substância por todos os nossos tecidos. Em um sentido simbólico, a raiva nos mobiliza de forma unificada. Ela é excelente para unir as pessoas em torno de uma mesma causa, e ainda mais eficaz para mover contingentes de pessoas, ideias e sentimentos para um único propósito.
Mas para qual propósito? É aqui que, em algum momento, o termo “raiva cega” deve ter surgido. A raiva não é o fim de nada; é apenas um termômetro contra a dissolução.
A melhor maneira de lidar com a raiva é dar um passo para trás. Ela já cumpriu sua função no momento exato em que surgiu.
Um passo para trás.
“Sentei-me com minha raiva por tempo suficiente até que ela me disse que seu verdadeiro nome era luto.”
― C.S. Lewis
É possível que não consigamos nos conter diante da raiva. Nesse momento, duas coisas acontecem: primeiro, acabamos agindo de maneira que nos causa arrependimento; depois, descobrimos que, na verdade, algo dentro de nós já ansiava por explodir há muito tempo. As duas situações são uma só, perceberão os mais atentos…
Somos um tecido entrelaçado por diversos fios: nossa história, o ambiente interno, a espécie, sonhos, sentimentos, fé, tudo o que nos cerca. Dentre todos esses fios, nenhum é mais ignorado que a história. Os arrependimentos são um padrão valioso, que pode se tornar um ponto sensível de transformação. Quem carrega alguns arrependimentos carrega, na verdade, o material sedimentado para emergir do fundo do poço. A verdadeira tragédia não é sentir raiva; é passar uma vida inteira consumido por ela, sem conseguir escapar.
“Raiva é apenas pelo que você acredita que pode ser consertado. Todo o resto é luto.”
― Cormac McCarthy, Stella Maris
Há uma maneira de canalizar a raiva em meio a conflitos, e tudo começa com uma pergunta simples:
— "O que dói tanto?"
A raiva dos animais caçados não é a mesma dos que caçam. A raiva que nasce do medo difere da raiva pela indignidade, e esta não é a mesma raiva da ignorância. Biologicamente, a raiva se origina no mesmo mecanismo de “lutar ou fugir”. Mediado por símbolos, porém, seu motivo se amplifica exponencialmente. Um argumento que desafie nossas crenças pode doer tanto quanto um golpe físico. Nossas cosmovisões orientam nossas vidas, e quando uma cosmovisão se desfaz, não é só uma ideia que cede lugar a outra: é todo o investimento ativo — tempo, história, crenças, sonhos — que se vê ameaçado.
O medo também é legítimo: o medo de perder, de sermos feridos, de que a vida como conhecemos se desintegre; a raiva sempre aponta para algum risco. É preciso descobrir que parte de nós sofreu alguma indignidade, antes de mais nada.
“Precisamos aprender a explodir! Qualquer doença é mais saudável do que aquela provocada por uma raiva reprimida.” — Emil Cioran
São duas as possibilidades mais comuns: a primeira é apenas um atentado contra nosso ego — medo de sermos feitos de trouxa, medo de sermos injustiçados, medo do desrespeito e da agressão — que prontamente nos faz revidar, e a raiva é o revide telegrafado. A segunda, mais intrincada, está relacionada com nossos próprios constructos mentais. Estes constructos (podem chamar como quiserem) condicionam nossa forma de reagir às interações sociais. Imaginem a pessoa que, sendo exposta às brigas dos pais toda semana, passe a fazer de tudo para evitar, ela mesma, as brigas que enfrentará pela vida. Ora, evitar uma briga não elimina a tensão que trazemos dentro de nós, ela mesma um conflito: evita-se o confronto, mas não a raiva represada, fruto de muitos diálogos internos. Esse segundo tipo, infelizmente muito comum, funda uma dimensão completamente nova para a raiva: direção.
"Quão mais graves são as consequências da raiva do que suas causas."
— Marco Aurélio, Meditações
Quando a raiva não é externalizada, muitas vezes não a percebemos; ela se transforma (assim como o carvão se torna diamante) em uma dessas outras manifestações — egoísmo, arrogância, presunção, intolerância, ressentimento, fofoca, calúnia e traição.
A raiva, concentrada ao longo do tempo, também pode se converter em ódio. É nesse momento que o sintoma se torna sistêmico e identitário. Podemos sentir raiva, mas ódio não se possui; ele simplesmente é. A forja do ódio leva tempo, resfriando as gotas incineradas de raiva; uma vez resfriadas, é difícil destruí-las, assim como as gotas de Rupert. Mas não é sobre ódio que estávamos falando…
A raiva não externalizada não desaparece; na verdade, apenas muda de direção. Quando é liberada, extravasa-se. E quando se volta para dentro? Não pode ser! Não há como. A raiva direcionada para dentro viola o princípio fundamental de autopreservação de todos os seres.
Assim, ela é lentamente reescrita, como os controles narrativos: precisa ser desviada de nós, mesmo que isso signifique direcioná-la como uma bala de prata em nosso próprio peito. Seus estilhaços se tornam essas outras manifestações que mencionei anteriormente. Se observarmos o formato de uma bala estilhaçada, veremos que seus fragmentos se direcionam para fora, mais uma vez.
Imaginem: uma pessoa atirando balas reprimidas de raiva contra o próprio peito, para então vê-las defletindo enquanto ressentimento às pessoas que estão ao redor.
É assim que muitas pessoas e povos vivem.
O nível mais perigoso de raiva direcionada para dentro é aquele descrito pelas psicopatologias como narcisismo. Trata-se de uma raiva introjetada, nascida de vergonha ou abuso, que demanda uma camada adicional de proteção: a criação de uma persona externa, uma sensação de si armazenada fora, como um constructo espelhado. Esse é o caso mais grave.
Para nós, entretanto, interessam os casos que possam ser salvos. Um bom trabalho, neste sentido, está no livro de Robert Glover: No More Mr. Nice Guy.
Se vocês perceberam bem, notaram que a vergonha é uma forma interna de raiva, embora poucas pessoas consigam realmente associar uma à outra.
Tanto a vergonha quanto a raiva podem ser desarmadas após aquela primeira pergunta: “o que dói tanto?”. Gastamos alguns minutos delineando essas raivas, e é oportuno, por fim, entender o que podemos fazer com essa pergunta; e isso é mais simples do que parece. Primeiro, descobrimos o que dói para, em seguida, confessar a nós mesmos os contornos dessa dor. Os motivos, os desdobramentos, a verdadeira natureza de cada aspecto em seu lugar. Nos é exigido muito pouco: um pequeno sacrifício da imagem, que nos permite aceitar, por alguns momentos, que não somos tão bons quanto suspeitamos ser. Perguntamos, confessamos, aceitamos e, então, encontramos maneiras mais simples de direcionar o ferimento.
Maneiras mais simples.
Brian.
Caso você tenha se enraivecido de vir até aqui e não receber uma resposta final — o modo mais simples —, considere isso como um desafio: aprenda algo que possa redirecionar essa raiva. Dentro para fora, fora para o nada. É preciso falar.